VIVIAN WHITEMAN e PEDRO DINIZ - Colaboração para a FOLHA
Uma nova peça entrará no complicado xadrez da moda brasileira na próxima temporada de desfiles. Entre grupos endinheirados em ascensão e criadores de ateliês em dificuldade financeira, o financiamento público surge como protagonista de uma jogada que pode mudar o tabuleiro.
A Folha apurou com duas fontes ligadas ao governo federal que, já na próxima temporada, deve ocorrer na São Paulo Fashion Week (SPFW) o primeiro desfile feito com auxílio da Lei Rouanet, de incentivo à cultura. Seria uma apresentação piloto descrita como "desfile-exposição".
O designer selecionado seria incluído nas regras vigentes da Rouanet, ganhando o direito de captar patrocínios, cujos valores poderiam ser abatidos em parte do imposto de renda dos apoiadores.
Para configurar o caráter de benefício público --exigido pela lei--, o desfile teria de ser aberto ao público, em vez de fechado para convidados.
Paralelamente a esse movimento, será anunciada a construção de um museu da moda, que deve ser instalado em São Paulo. A estilista Gloria Coelho teria sido a primeira a doar peças de seu acervo para o projeto.
Já Ronaldo Fraga disse estar em contato com a equipe de Marta Suplicy, ministra da Cultura, sem detalhar sua participação nas duas iniciativas.
As iniciativas vêm depois de várias reuniões da ministra com estilistas e representantes de entidades da moda. No ano passado, em entrevista à Folha, a ministra afirmou que acreditava na moda "como produto cultural" e disse estar analisando projetos para incentivo direto ao setor.
A notícia chega num tempo em que criadores renomados passam por momentos delicados. Embora não falem publicamente sobre suas dívidas e dificuldades, crises como a da grife Huis Clos --uma das pioneiras do alto luxo no evento e que não desfilou nesta edição nem na passada--, não são segredo.
"Empresas menores são mais afetadas pelas crises. O que está acontecendo hoje é o que sempre dizíamos que ocorreria, 15 anos atrás, se nada fosse feito. Não há plano de desenvolvimento para a indústria de moda, e os custos altos de produção seguram o crescimento", diz Paulo Borges, criador da SPFW.
"No caso da Huis Clos, os problemas são mais antigos, todo mundo sabe. Agora, Reinaldo Lourenço e Gloria Coelho estão passando por uma reestruturação pontual. Eles estão no mercado de luxo, cada vez mais competitivo, e o preço dos nossos produtos é altíssimo", afirma Borges.
AUTORAL x COMERCIAL
Antes de fazerem jus ao novo benefício, segundo as fontes ouvidas pela reportagem, haverá uma triagem para definir quais estilistas desenvolvem um trabalho autoral e quais se encaixam no padrão de difusão comercial.
A seleção seria feita por uma equipe do MinC, que, até agora, inclui acadêmicos e integrantes da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção).
A grande dificuldade será definir critérios sobre "o estilista criador". Detalhes do processo criativo --ou seja, croquis, desenvolvimento de conceito e informações que comprovem a autenticidade da "obra"-- serão incluídos no relatório oficial do ministério.
Porém, para conseguir o incentivo, além de comprovar sua verve "autoral", a grife deverá provar que necessita dos recursos da Lei Rouanet. Marcas notadamente autorais e criativas, mas que integram grandes grupos, como Alexandre Herchcovitch e Osklen, poderiam ficar de fora nesse caso.
Ainda sem botar em jogo a ajuda governamental, a edição verão 2013/2014 da SPFW terminou ontem, deixando no ar a definição das próximas jogadas fashion.
Entre as estrelas trazidas pelos grupos AMC e Inbrands para suas marcas de massa e, do outro lado, apresentações low-profile da maioria das outras grifes, o clima foi de tensão. "A dinâmica é essa. Onde não há conflito, não há troca", diz Borges, resumindo o espírito do momento.
Fonte: Folha de S. Paulo
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