quinta-feira, 15 de julho de 2010

Indústria têxtil européia adere à ECOMODA

A cada temporada, a expectativa do mundo da moda é surpreender durante os principais eventos do setor. No entanto, enquanto nas passarelas os nomes mais destacados da alta costura disputam a atenção da grande imprensa e os holofotes da fama, nos bastidores do cenário fashion uma revolução silenciosa e menos divulgada também começa a conquistar o seu próprio espaço. Trata-se da chamada ecomoda, uma ideia incorporada por alguns nomes da indústria têxtil europeia que sugere coleções totalmente produzidas sem química.
No Velho Continente, instituições comunitárias, associações ambientalistas e estilistas redobram a atenção dedicada ao uso de produtos químicos em tecidos e peças de roupa.
Em países como Alemanha, Espanha e Itália, por exemplo, o número de iniciativas a favor de tecidos naturais cresce significativamente e o tema é um dos mais discutidos entre os representantes do ramo. O interesse pelo assunto é tanto que na Biofach – evento realizado em Nuremberg, entre 19 e 22 de fevereiro de 2009 – um pavilhão inteiro foi dedicado à moda ecológica, reunindo nomes como Natural Fashion, Disana e Organics Brasil.
Na Europa, os principais apelos contra o emprego de produtos químicos em peças de roupa são promovidos pelos ambientalistas do Greenpeace. Em Madri, a associação organiza o desfile chamado “Moda sin tóxicos”; um projeto que conta com a participação de renomados estilistas espanhóis como Ágatha Ruíz de la Prada, Antonio Pernas, Carlos Díez, e as marcas Jocomomola, Mango e Txell Miras, entre outros. Não se trata de trabalhar exclusivamente com o linho ou a seda, mas evitar o tratamento dos tecidos com substâncias prejudiciais à saúde.
A direção do Greenpeace relembra que, nos últimos sessenta anos, a indústria química produziu mais de cem mil moléculas novas, mas que muitas delas são tóxicas. É o caso, por exemplo, do cromo utilizado para tratar o couro, dos pigmentos de chumbo e níquel empregados no tingimento de tecidos e dos ftalatos, uma série de substâncias comumente usadas na confecção de botões e também no amaciamento de tecidos. “Os ftalatos causam problemas no sistema reprodutivo e comprometem o desenvolvimento dos testículos de crianças”, alerta Yannick Vicaire, idealizador do desfile. “O nosso objetivo é demonstrar que é possível produzir produtos de largo consumo respeitando as mais rigorosas normas de saúde, além de diminuir o fenômeno de doenças crônicas”, completa.
Legislação europeia - O maior problema é que, frequentemente, a etiqueta dos tecidos comprados pelos estilistas não contém uma descrição detalhada de todos os seus componentes. Assim, não é raro que tecidos aparentemente naturais como o algodão ou o linho apresentem, por exemplo, vestígios de formalina, elemento declarado cancerógeno pelo International Agency for Research on Cancer (IARC).
Para tentar contrastar este fenômeno e incentivar as indústrias a redobrar a atenção com os itens presentes em seus próprios produtos, a Europa adotou um novo quadro normativo em matéria de registro, avaliação e autorização de produtos químicos. A legislação comunitária chamada Reach (Registration, Evaluation, Authorization and Restriction of Chemicals) substitui aquela originada há cerca de 40 anos e introduz algumas novidades. No segundo semestre de 2008, as empresas que exportam produtos para o Velho Continente foram obrigadas a realizar, na agência europeia competente, em Helsinki, um pré-registro dos componentes contidos em seus produtos. A partir deste ano, no entanto, passaram a ser exigidos o registro e a análise dos itens que deverão ser submetidos a rigorosos testes de riscos à saúde e ao meio ambiente.
Especialistas do setor estimam que os custos para a adaptação às exigências da nova normativa corresponderão a 0,05% do faturamento anual das empresas, o que garantirá ao sistema sanitário europeu uma economia de cerca de 50 bilhões de euros em trinta anos. “Esse é o modo correto para demonstrar que é possível continuar produzindo e utilizando substâncias alternativas e não acredito que o Reach destrói a competitividade das indústrias europeias, mas, ao contrário, impulsiona a pesquisa no continente”, comentou a deputada europeia Monica Frassoni, em um desfile de moda sem produtos químicos organizado no Parlamento europeu.
Apesar de inicialmente bem recebido, nos últimos meses o Reach tem sido alvo de duras críticas por parte de associações ambientalistas. Isso porque as informações fornecidas à agência competente variam de acordo com a quantidade produzida ou importada. O vértice do World Wide Fund for Nature (WWF), por exemplo, acredita que 60% das substâncias químicas contempladas no Reach são produzidas em quantidades inferiores a dez toneladas e, portanto, poderão circular com facilidade pela Europa.
100% biológico - O impacto da nova normativa também é evidente no mundo fashion. Uma prova concreta de que a ecomoda não é um fenômeno passageiro está no crescimento da demanda europeia de algodão biológico, cultivado sem pesticidas ou produtos químicos. Segundo os dados divulgados pelo Organic Exchange, o número de marcas que oferecem aos consumidores produtos confeccionados com algodão quadruplicou nos últimos anos e o faturamento previsto para este mercado em 2008 foi estimado em 2,6 bilhões de dólares.
Enquanto os maiores fornecedores de algodão biológico se encontram em países como Índia, Turquia, Tailândia e Estados Unidos, a Europa lidera o ranking mundial dos distribuidores de roupas e acessórios 100% naturais, com 76% do mercado, seguida pelos Estados Unidos e pelo Canadá.
Atualmente, os produtos têxteis executados exclusivamente com fibras naturais derivadas do cultivo biológico são certificados e respeitam os critérios estabelecidos pelo Global Organic Textiles Standard (GOTS).
Um exemplo emblemático de moda consciente é o tecido biológico à base de soja desenvolvido pela La Reda, empresa italiana especializada em moda masculina.
“O tecido é tão brilhante quanto a seda e mais transpirante que o algodão porque absorve a umidade do ar com facilidade”, explica Ercole Botto Poala, proprietário da empresa. Além disso, graças à presença de aminoácidos, o tecido de fibra vegetal é macio, totalmente compatível com a pele e extremamente resistente.

 Camiseta italiana é feita com fibras do leite

Outra substância que começa a ser explorada no setor têxtil é a caseína, a proteína do leite, da qual pode-se obter um tecido ideal para a fabricação de camisetas e peças íntimas. Na Università Statale di Milano, a caseína é tratada com soda aquecida e assim se polimeriza, formando verdadeiras fibras estáveis que podem ser entrelaçadas sozinhas ou juntamente com a seda, o algodão ou caxemira.
Na Itália, um exemplo da aplicação do leite na indústria têxtil é a linha de camisetas chamada Milk Wear, lançada em junho do ano passado e distribuída pelo Woolgroup. Para produzi-las, inicialmente o leite é desidratado e desnatado. Em seguida, graças a modernas técnicas de bioengenharia, é utilizado também para a tecelagem. O resultado final é uma fibra com uma capacidade de absorção da umidade superior àquela típica das fibras sintéticas. Atualmente, o preço médio de uma camiseta da marca Milk Wear está por volta de 84 euros. 
O preço, ainda elevado, também é uma característica da transformação em fibra do cânhamo (a mesma planta da maconha). Um consórcio da região da Emilia-Romagna, na Itália, está apostando nesta inovação, mas o maior obstáculo deste projeto é o custo do metro quadrado do cânhamo biológico: cerca de 22 euros, um valor superior ao do linho ou do algodão biológico. Este último tem sido muito apreciado pelos consumidores europeus. Basta pensar que, na Itália, um dos sucessos de crítica e de público é o Life Gate, um jeans totalmente confeccionado com algodão biológico.
Recursos marinhos – Outra novidade é o Crabyon, uma fibra realizada com a casca de caranguejos ou lagostas e empregada na produção de roupas esportivas. Trata-se de um tecido com ação antibacterial, analérgico, 100% biodegradável e composto de quitosana – derivado da quitina – e celulose. A quitina é uma substância cuja aplicação também está sendo estudada nos campos médico e nutricional e, o melhor de tudo, é que suas características não se alteram com o tempo ou com as lavagens frequentes.
Trata-se de um polissacarídio natural com uma estrutura química muito similar à da celulose. Uma de suas grandes vantagens é a sua capacidade de ativar duas enzimas que bloqueiam o desenvolvimento de bactérias responsáveis por inúmeras doenças.
Do ponto de vista prático, a fibra de Crabyon é obtida graças a um processo que inicia-se com a desproteinização da casca dos crustáceos descartados pela indústria de alimentos – a soda cáustica é utilizada neste processo. Em seguida, sofre a descalcificação com o uso de ácido clorídrico e a solução de quitina obtida depois dessas fases é misturada com a celulose. O último passo é um processo de fiação a úmido.
Na Itália, a empresa que comercializa a fibra de Crabyon é a Pozzi Electra e o custo médio da fibra misturada com cerca de 15% de algodão é de aproximadamente 11 euros por quilo.
Os recursos marinhos também se transformaram em suporte de uma grande inovação proposta por uma indústria alemã, ou seja, uma fibra de base celulósica com algas marinhas como a ascophyllum nodosum. Trata-se de um produto com características similares às da viscose, com valores de tenacidade comparáveis ao Lyocell ou às fibras de Tencel.
Projetada pela Smartfiber AG, a Seacell contém minerais, aminoácidos, hidratos de carbono, vitaminas e outras substâncias ativas contidas nas algas. Por isso, possui propriedades anti-inflamatórias e facilita a transpiração. Uma prova de que o binômio pesquisa e natureza ainda é uma estratégia válida para diferenciar-se em um mercado cada vez mais competitivo.

Anelise Sanchez, de Roma

Fonte: http://www.quimicaederivados.com.br/revista/qd483/atual/atual01.html