Rio -  Já faz 82 anos que Noel Rosa escreveu seu primeiro samba, ‘Com que Roupa’, que descrevia a dificuldade de um malandro ao se vestir em meio à crise econômica da época. Se o poeta estivesse compondo a mesma música hoje, talvez se deparasse com outro dilema: o da sustentabilidade na moda.
Foto: Arte: O Dia
Foto: Arte: O Dia.
Por um lado, poucas vezes foi tão barato na média mundial comprar roupas em lojas acusadas de fomentar a compra compulsiva e problemas socioambientais. Por outro, aumenta o número de grifes que investem em peças de menor impacto na natureza, mas com preço maior.


A discussão sobre o tema começou no fim dos anos 1990 e no início do século atual, quando explodiram as cadeias multinacionais do tipo ‘fast fashion’: lojas que aumentaram o número de coleções por ano e conseguiram diminuir muito os preços. No Brasil, há redes que chegam a lançar novas ‘mini coleções’ em intervalos menores que dois meses.



O que, num primeiro olhar, parece pode parecer bom pelos preços acessíveis, traz, entretanto, uma série de outros problemas. Um deles é o fato de que várias dessas cadeias internacionais são acusadas de usar mão de obra semi escrava em países do Terceiro Mundo, sobretudo do sudeste asiático.



Não existe o cuidado devido também com fornecedores, que usam produtos químicos que poluem o ambiente e prejudicam a saúde de agricultores. “As redes fast-fashion incentivam o consumo por impulso e não-responsável. Fico muito triste de ter que afirmar isso. Infelizmente, é a concorrência desleal com os produtos importados da China e da Índia, que vêm com preço muito baixo. Não são só esses países. Há marcas brasileiras também que investem no fast fashion”, diz Micheli Hoffmann, designer especializada em moda sustentável.



Para ela, a saída está na conscientização a longo prazo do consumidor e do governo, que deveria aplicar às empresas do setor a Política Nacional de Resíduos Sólido, incentivando a criação de novos materiais. “Creio que deveria haver uma força de conscientização, o governo deveria também dar incentivos fiscais às marcas que focam na preocupação ambiental, para que cresçam e apareçam”, diz.



Especialista acredita que consciência vai vencer o preço



Uma das marcas mais conhecidas por investirem em produtos de materiais de menor impacto no meio ambiente, fornecidos por produtores mais responsáveis, é a carioca Osklen. Em 2007, a empresa contratou o Instituto-E, que enviou representantes a diferentes regiões do País para pesquisar tecidos de, por exemplo, matéria-prima reaproveitada.



De lá para cá, 23 materiais do tipo foram colocados em produtos da grife. O preço pode sofrer alterações. Uma camiseta de algodão orgânico colorida sem produtos químicos nocivos pode sair da linha de produção a preço até 40% maior.



Diretora do Instituto-E, Nina Braga, acredita que, apesar da diferença de preços entre produtos socialmente responsáveis e o 'fast fashion', o consumidor vai acabar se conscientizando. “Sou otimista e acho que a tendência é que, no futuro, se reconheça o valor agregado sócio-ambiental”, diz.



Mas Nina admite que ainda é inviável produzir peças 100% sustentáveis no País. “Não há políticas governamentais de incentivo, como isenção de impostos”, diz.



Customização pode ajudar a evitar compra por impulso



O fato de peças de maior qualidade, responsabilidade socioambiental e durabilidade serem mais caras, pode ser argumento em defesa de peças mais ‘descartáveis’. Mas especialistas têm dicas de como evitar cair na tentação de comprar roupas de procedência duvidosa.



A designer Micheli Hoffmann diz que é possível customizar roupas velhas pesquisando as tendências e, assim, não ficar ‘fora de moda’. Ela conta que há uma infinidade de possibilidades que deixam as roupas lindas.



E, explica, muitas vezes nem é preciso muitas habilidades de costura. “Existem dois livros da Editora Senac, por exemplo, que ensinam 99 maneiras de transformar uma camiseta e 99 maneiras de transformar um jeans”, orienta .



Já Nina Braga, do Instituto-E, afirma que o primeiro passo é deixar de lado a questão da compra por impulso. “Não é só porque uma peça está barata que deve ser comprada. Além disso, é preciso pressionar por mais opções”.