segunda-feira, 30 de março de 2015

Algodão colorido conquista mercado internacional de moda

A pluma marrom teima em crescer no meio da paisagem seca do agreste paraibano. (Fonte: Embrapa
Foto: Sérgio Cobel)

De símbolo regional em lojas de artigos para turistas, o algodão colorido alcançou o status de peças de luxo em feiras internacionais. As coleções são exportadas para a França, Itália, Espanha, Alemanha, Japão, Estados Unidos e países escandinavos. Em abril de 2015, o algodão colorido produzido no Semiárido estará presente na feira "1.618 Luxo Sustentável", em Paris. O evento seleciona as melhores iniciativas voltadas para o consumo sustentável ao redor do mundo.

No Assentamento Margarida Maria Alves, a 100 km da capital João Pessoa (PB), quinze famílias de assentados cultivam o algodão colorido que vira peças de luxo para o mercado externo. Segundo a estilista Francisca Vieira, presidente da Associação da Indústria do Vestuário da Paraíba (Aivest-PB) e do grupo Natural Cotton Color, o perfil do consumidor das peças de algodão colorido é um público consciente e com alto poder aquisitivo, que se preocupa com a origem do produto que consome. "O nosso consumidor quer saber se eu pago um preço justo para o produtor, para as rendeiras, bordadeiras, costureiras... Ele quer um produto com uma boa história para contar", afirma.

Para atrair esse público exigente, Francisca Vieira aposta no design. "Nosso produto não é simplesmente uma peça regional. Nós temos um design arrojado, que usa a intervenção do artesanato em função da moda", define. Para diversificar as cores disponíveis, a estilista lança mão de tingimentos naturais à base de cascas e folhas de plantas como cajueiro, mangueira e barbatimão.

A Casulo Arte Natural, empresa de bolsas e acessórios sediada em Campina Grande (PB), fabrica em média três mil bolsas tipo exportação e de cinco a oito mil bolsas para o mercado interno, de acordo com a disponibilidade de matéria-prima. "Nós trabalhamos com dois tipos de clientes: os turistas, em busca de souvenirs e pouco dispostos a gastar, e o mercado externo, para o qual contratamos uma estilista a partir de uma consultoria da Associação Brasileira de Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) e Sebrae-PB, que desenvolveu coleções para esse público", conta o proprietário da empresa Marcelo Lacerda. "Além do algodão colorido, nós utilizamos o couro caprino natural, que é outra matéria-prima da nossa região, para o acabamento dos produtos", acrescenta.

Da Paraíba a Paris - A pluma marrom teima em crescer no meio da paisagem seca do agreste paraibano, onde nem o feijão e o milho resistiram à falta d'água. O cultivo de algodão colorido orgânico é uma das principais fontes de renda do Assentamento Margarida Maria Alves, situado no município de Juarez Távora. A área de 18 hectares não chega a aparecer nas estatísticas oficiais de produção do algodão no Brasil, mas chama a atenção do mundo da moda sustentável por ser uma alternativa ao sistema de produção tradicional com alto uso de insumos e de água. 

Quinze famílias de assentados cultivam o algodão colorido em sistema de sequeiro, sem nenhum tipo de adubo ou inseticida sintético. O algodão é certificado pela Associação de Certificação Instituto Biodinâmico (IBD) e a partir do próximo ano receberá o selo de certificação orgânica participativa, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o que representará uma redução dos custos de produção, tendo em vista que o produto será avaliado pelos próprios agricultores, com a supervisão da Superintendência Federal da Agricultura no Estado da Paraíba.

O agricultor Aluísio Rodrigues dos Santos cultivava o algodão branco desde criança e há quatro anos ouviu falar do algodão colorido, ficou curioso e resolveu experimentar. "Apareceu essa semente de algodão que vinha das bandas de Remígio (Município da Paraíba), aí eu disse: ‘eu quero uns cinco quilos da semente desse algodão para ver se é bom'. Recebi dez quilos e a renda é melhor que o branco. Então resolvi só plantar ele. A renda é melhor, tem mais preço."

O algodão é beneficiado no próprio assentamento na miniusina descaroçadora desenvolvida pela Embrapa para os pequenos produtores de algodão. A máquina separa a semente da fibra; a semente fica no assentamento para o próximo plantio e para alimentação animal; e a fibra segue para a indústria de fiação em Campina Grande e João Pessoa e, depois, para teares mecânicos rústicos que ainda existem em diversos municípios paraibanos.

Neste ano, foram colhidos cerca de cinco mil quilos de fibra, negociada antecipadamente com a Associação da Indústria do Vestuário da Paraíba a R$ 10,00 o quilo. 

Como já nasce colorida, a fibra dispensa o uso de produtos químicos para tingir o tecido e economiza 83% de água no processo de acabamento da malha, em comparação com os tecidos coloridos artificialmente. Essas características tornam o produto muito procurado pelas empresas voltadas para a chamada "moda verde".

Os desafios da produção

Além da escassez de água, o algodão colorido precisa sobreviver ao bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis), uma das principais pragas da cultura. O inseto contribuiu para a diminuição gradativa das plantações de algodão branco na região Semiárida, que já foi a maior área de produção algodoeira do País.

O bicudo ataca o botão floral do algodoeiro e deposita o ovo dentro dele. Depois de furado pelo bicudo, o botão cai e em aproximadamente 25 dias surge um novo inseto adulto. "Uma fêmea pode perfurar até 200 botões e se não for feito o controle, pode botar toda a safra a perder", explica o analista da Embrapa Algodão, Isaias Alves.

Para conviver com o bicudo, seu Aluísio apanha e destrói os botões infestados pela larva do inseto. "Antigamente, ninguém catava os botões que o bicudo furava e, se não apanhar os botões que caem, nasce cada vez mais bicudo. Por orientação da Embrapa, a gente começou a apanhar e o bicudo foi acabando. Faz quatro anos que eu planto e olha aí a produção." 

Depois da colheita os animais são soltos no campo. A criação de gado bovino e caprino é outra fonte de renda para os produtores do assentamento. "Os bichos comem os restos das plantas, a gente corta o que sobra e deixa o campo limpo pra plantar no próximo ano", diz. 

O presidente da associação de produtores do assentamento, Luiz Rodrigues da Silva, conhecido como seu Betinho, destaca que outra medida importante para o controle do bicudo na área é concentrar o plantio numa mesma época para que a praga não migre de uma plantação para outra e tenha sempre alimento disponível. "Se alguém plantar fora da época atrapalha os outros", enfatiza.

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